O regime de comunhão de adquiridos é um dos regimes de bens mais comuns no direito familiar português, sendo o regime supletivo/padrão, regulado pelos artigos 1717.º a 1737.º do Código Civil.
Afinal, quais são os bens próprios e os bens comuns no regime de comunhão de adquiridos?
No regime de comunhão de adquiridos, os bens adquiridos após a celebração do casamento são propriedade conjunta do casal, enquanto que os bens que cada cônjuge possuía antes do casamento, como por exemplo, bens adquiridos antes do casamento, doações ou heranças recebidas antes do casamento, permanecem como bens próprios do cônjuge que as recebeu.
É possível adquirir um bem na constância do matrimónio e o mesmo constituir um bem próprio?
Contudo, o artigo 1723.º do Código Civil contem uma exceção, isto é, apesar de certos bens terem sido adquiridos na constância do matrimónio e, por isso, se presumirem comuns, a verdade é que serão bens próprios de cada cônjuge.
Analisemos em concreto, a alínea c) do artigo 1723.º do Código Civil que nos diz: “Conservam a qualidade de bens próprios, os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges”- a chamada sub-rogação real indireta.
Portanto, quando um cônjuge adquire um bem com o uso de dinheiro próprio, o bem adquirido será considerado bem próprio desse cônjuge, e não um bem comum, mesmo que a aquisição ocorra durante a constância do casamento. Assim, os bens adquiridos a título oneroso na constância do matrimónio com valores ou dinheiros próprios de um dos cônjuges, serão bem próprios, segundo a lei quando existe menção da proveniência do dinheiro no documento de aquisição e a intervenção de ambos os cônjuges.
Não obstante os requisitos legais impostos, a verdade é que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender que não é necessária a menção da proveniência do dinheiro, nem a intervenção de ambos os cônjuges para o bem ser um bem próprio. Ou seja, existe doutrina que entende que o bem pode ser próprio, quando isso não afete terceiros.
Vejamos o seguinte exemplo:
– A Maria está casada com o João no regime supletivo de comunhão de adquiridos. Na constância do matrimónio, a Maria adquire a título oneroso uma fração autónoma no valor de 100.000 €, sendo que adquire esta fração com a entrega de lingotes de ouro que herdou dos seus avós, que são bens próprios da Maria, mas não foi feita esta menção no documento adquisitivo. Se eventualmente, algum terceiro precisar do bem adquirido pela Maria para satisfazer um crédito, por exemplo, aquele bem responde como bem comum, mas quem comprou foi a Maria. Logo, no momento da partilha entre cônjuges, como aquele bem foi adquirido como bem próprio da Maria, a mesma vai buscar à massa comum, o valor daquele bem, ou seja, a massa comum está obrigada a compensar o cônjuge do valor do bem que ela adquiriu com bens próprios, embora aquele bem não tivesse natureza de próprio por causa dos terceiros. Em suma, o bem foi adquirido com bens próprios da Maria, e se este bem vier a responder por dívidas comuns ou, no momento em que a Maria e o João procederem à partilha, a Maria tem o direito de exigir à massa comum o valor de 100.000 €. Note-se que, caso não seja necessário proteger terceiros, a doutrina tem entendido que o bem é próprio, havendo a menção da proveniência do dinheiro e da intervenção de ambos os cônjuges. Se era necessário proteger terceiros, na falta de menção, o bem seria comum.
Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, num acórdão uniformizador de jurisprudência vem resolver a questão, dizendo que mesmo que não haja menção da proveniência do dinheiro, nem a intervenção de ambos os cônjuges, o bem pode ser considerado próprio. Assim, esta exceção prevista no artigo 1723.º do Código Civil visa proteger os interesses patrimoniais dos cônjuges, permitindo que aqueles que possuem um património individual considerável ou recursos próprios possam adquirir bens sem que estes sejam automaticamente incorporados na massa comum de bens do casal. Imaginando que, o António tinha um apartamento antes de se casar com a Ana, ou seja, era um bem próprio. Vendeu esse apartamento e na constância do matrimónio, adquiriu um outro apartamento, com o dinheiro da venda, ou seja, dinheiro próprio. Apesar de o bem ter sido adquirido na constância do matrimónio, presume-se que seria comum. Contudo, caso se demonstre que a proveniência do dinheiro utilizado para adquirir o segundo apartamento era próprio do António, então o bem será próprio, apesar de adquirido na constância do matrimónio, independentemente de ter sido feita ou não a menção da proveniência do dinheiro ou terem intervindo os dois cônjuges no título aquisitivo.
Conclui-se, portanto, que o artigo 1723.º do Código Civil desempenha um papel crucial no regime da comunhão de adquiridos, permitindo que um cônjuge possa adquirir um bem na constância do matrimónio e, ainda assim, ele tenha a qualidade de bem próprio, caso tenha sido adquirido com recursos ou bens próprios, entendendo grande parte da doutrina e da jurisprudência não ser necessária a menção da proveniência do dinheiro ou a intervenção de ambos os cônjuges, mas que, à cautela, deve ser observada.