Terão os arrendatários de imóveis não constituídos em propriedade horizontal direito de preferência no caso de alienação ou dação em cumprimento?
O n.º8 do artigo 1091º do código civil, veio permitir o exercício do direito de preferência pelo arrendatário, na venda do local arrendado, mesmo que inserido em prédio não constituído em propriedade horizontal.
Na sequência desta alteração, os arrendatários habitacionais de parte de prédio não constituído em PH passaram a ter direito de preferência nos mesmos termos previstos para o arrendatário de fração autónoma, direito este «relativo à quota parte do prédio correspondente à permilagem do locado pelo valor proporcional dessa quota parte face ao valor total da transmissão», ficando também estabelecido que aqueles valores devem ser indicados pelo senhorio ao arrendatário na comunicação para o exercício da preferência. Ou seja, os arrendatários teriam direito de preferência em relação à quota-parte do prédio a que lhe correspondia o locado.
Na sequência desta alteração legal, foi suscitada ao tribunal constitucional a inconstitucionalidade da norma, tendo sido apreciada no acórdão 299/2020, que considerou que o n.º8 do art.1091º do código civil ao prever o direito de preferência «é suscetível de interferir negativamente no ativo patrimonial do proprietário», desde logo porque «não é provável que o comprador aceite continuar a comprar um imóvel cuja propriedade não vai adquirir plenamente, sendo mais provável que desista do negócio, ficando o arrendatário comproprietário do senhorio». Depois, «porque, além de correr o risco de não conseguir vender a quota-parte remanescente, não há nenhuma razão para supor que, conseguindo, o faça por um preço que, somado ao valor que recebera do preferente, iguale ou supere a oferta inicial, relativa ao prédio na sua integralidade».
Segundo o acórdão, para o proprietário-senhorio o exercício do direito de preferência «traduz-se num duplo limite à livre disponibilidade do bem: está impedido de alienar a totalidade do prédio e, se o arrendatário declarar preferir, está obrigado a vender uma quota ideal do mesmo». E, para os demais consortes, «tem o efeito de impedir o uso de parte da coisa comum, enquanto não se proceder à divisão ou venda do prédio». Por sua vez, o arrendatário «converte-se em comproprietário, sem ter a certeza sobre a possibilidade da coisa comum se dividir em substância» e «sem ter quaisquer garantias de que na ação de divisão de coisa comum o local arrendado lhe poderá ser adjudicado».
Conclui, por isso, o Tribunal Constitucional que o regime especial de preferência previsto na referida norma «sacrifica excessivamente o direito à livre transmissibilidade do prédio, sem satisfazer o objetivo da estabilidade habitacional», sendo «uma intervenção legislativa que, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, não se encontra numa relação proporcional ou razoável – de justa medida – com os fins prosseguidos», limitando «desproporcionalmente o direito de propriedade privada do senhorio» e, consequentemente, violando o disposto no artigo 62.º, n.º 1, da Constituição, que garante o direito à propriedade privada.
Atendendo à leitura do atual art.º 1091º do CC, o arrendatário habitacional de uma parte de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal não goza do direito legal de preferência na compra e venda do prédio, uma vez que esse direito apenas é reconhecido ao arrendatário de todo o prédio urbano.
Ou seja, não estando constituído em propriedade horizontal, não pode ser passível de autonomização material e objeto de negócio jurídico pois o preferente substitui-se na posição do comprador na compra e venda – que foi o todo…e não parte do prédio.
Como fundamenta acórdão do Tribunal Constitucional n.º 299/2020, se o local arrendado não for passível de individualização jurídica, sobre ele não pode incidir jus in re (artigo 408.º, n.º 2, do Código Civil), uma vez que só após a constituição da propriedade horizontal é que o arrendatário pode tornar-se proprietário exclusivo do local arrendado.
CONTUDO, o n.º 9.º do art.º 1091.º do Código Civil não foi afetado pela declaração de inconstitucionalidade, os inquilinos do imóvel para fins habitacionais, não sujeito ao regime da propriedade horizontal podem exercer direito de preferência em conjunto sobre a totalidade do imóvel em compropriedade dispondo a lei que:
“…9 – Caso o obrigado à preferência pretenda vender um imóvel não sujeito ao regime da propriedade horizontal, podem os arrendatários do mesmo, que assim o pretendam, exercer os seus direitos de preferência em conjunto, adquirindo, na proporção, a totalidade do imóvel em compropriedade…”.
Contudo, a leitura do presente artigo não dispensa a consulta do seu advogado, uma vez que cada caso é um caso.