Vamos imaginar a seguinte situação. O Vicente, legitimo proprietário de um imóvel, arrendou ao Francisco o mesmo, prevendo no contrato de arrendamento que as quotas de condomínio ficariam ao encargo do arrendatário. Contudo, os meses foram passando e o Francisco não efetuou o pagamento.
A administração deve agir judicialmente contra o locatário, ou contra o senhorio?
É consenso comum na generalidade da doutrina e da jurisprudência que a obrigação de pagamento das prestações de condomínio previstas no art.º 1424.º do CC., é uma obrigação propter rem, ou seja, “aquela cujo sujeito passivo (o devedor) é determinado não pessoalmente (“intuitu personae”), mas realmente, isto é, determinado por ser titular de um determinado direito real sobre a coisa”.
Nestes termos, a obrigação de contribuir para as despesas comuns é da responsabilidade do condómino e não radica nem depende da efetiva utilização das frações individuais, mas da mera qualidade de titular de um direito real sobre as frações.
O actual artº 1424 nº1 do C.C., veio esclarecer que “Salvo disposição legal em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.”
Não há, portanto, qualquer dúvida de que é o condómino, proprietário das frações no momento das respetivas deliberações.
Por último, enquanto a obrigação imposta ao condómino proprietário da fração, pelo artº 1424 nº1 do C.C., tem natureza real e é oponível “erga omnes”, a obrigação do locatário de proceder ao pagamento das despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, prevista no artº 10, nº1, b) do D.L. 149/95, tem natureza obrigacional, vinculativa inter-partes, não podendo, por essa razão, ser oposta ao condomínio. Entender que só o locatário responderia perante o condomínio pelo pagamento destas prestações e só este por ele poderia ser demandado, em caso de incumprimento, significaria, conforme refere GRAVATO MORAIS “exonerar do pagamento das prestações de condomínio o titular de um direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito obrigacional sobre o prédio”, com importantes reflexos na executiva a instaurare nos bens indicados à penhora.
Titular do direito real correspondente é o senhorio e não o locatário. O senhorio exerce sobre a coisa, todos os direitos inerentes à sua qualidade de proprietário, com a única ressalva dos inerentes ao direito de gozo cedido ao locatário.
Ora, as prestações devidas ao condomínio enquanto obrigações propter rem são obrigações a cargo do titular do direito sobre o bem e a tanto não obsta o disposto no artº 10 , nº1, alínea b), do D.L. 149/95. Conforme refere ainda GRAVATO MORAIS, do referido artigo “resulta um (mero) dever do locatário perante o locador quanto ao pagamento das prestações do condomínio, o que significa que aquele assume perante este tão-só tal vinculação.”, embora em última instância, seja sempre o locatário o responsável pelo pagamento das referidas prestações, já que o locador, pagando ao credor, pode exigir – sempre – o valor já entregue ao locatário.”
Nesta medida, perante o condomínio responde o senhorio, independentemente de poder ser exigido ao locatário o pagamento das contribuições de condomínio, mas sem que a obrigação imposta pelo artº 10 do D.L. 149/95, desonere o senhorio do dever de pagar estas contribuições, caso o locatário o não faça voluntariamente.
Acresce que a acta de condomínio apenas constitui título executivo contra o proprietário que não tenha pago as quotas, despesas, juros e sanção pecuniária impostas e não também contra o locatário. A Lei 8/2022, ao alterar este preceito legal, não consignou que a referida acta constituía título executivo contra o obrigado legal, conforme aliás sugerido no Parecer da Ordem dos Advogados, a este propósito, mas apenas contra o condómino proprietário, em consonância aliás com o teor do artº 1424 nº1 do C.C., sendo certo que visando a referida lei por termo às controvérsias existentes quanto à legitimidade e responsabilidade pelo pagamento das quotas e despesas de condomínio, não deixaria de se fazer consignar neste preceito (e no artº 1424 nº1 do C.C.) a possibilidade de ser conferida força executiva também
Assim, conclui-se que o locador responde perante o condomínio pelas despesas e serviços que lhe sejam devidos, sendo assim parte legítima em ação intentada para esse efeito. O que obviamente não impede o senhorio de intentar ação de regresso contra o locatário com quem formalizou contrato de arrendamento onde previa que a obrigação de pagamento das quotas de condomínio eram da sua responsabilidade.
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