Sim, é possível, não sendo, contudo, fácil fazer-se prova.
Cumpre começar por dizer que existem as incapacidades permanentes – que são aquelas que podem levar a uma inabilitação ou até mesmo à interdição – e as não permanentes – como embriaguez e toxicodependência por exemplo.
Por sua vez, na parte geral do C.C., dispõe o art. 257.º:
«1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar.»
A incapacidade acidental do testador no momento da outorga do testamento, é fator determinante da sua anulação e não da sua nulidade.
Ou seja, nestas circunstâncias – em que o facto é notório – poderá requerer-se a anulabilidade do ato.
O regime do art. 2199.° apresenta diferenças significativas quando confrontado com o contido no art. 257.°, n.ºs 1 e 2.
Em primeiro lugar, o art. 257.º vem exigir que a incapacidade seja notória ou conhecida do declaratário, exigência que não se encontra no art. 2199.º, dado o caráter não recetício do negócio testamentário.
Em segundo lugar, deve ter-se em conta que o instituto da incapacidade acidental previsto neste artigo vai ter uma importância maior que a incapacidade acidental prevista na parte geral do CC, uma vez que as incapacidades de testar são menos rigorosas, mais restritas, que as incapacidades gerais.
A propósito da incapacidade acidental enquanto causa de anulação de um testamento, escreve Anabela Gonçalves, em comentário ao art. 2199.º, in Código Civil Anotado, Livro V (Direito das Sucessões), sob coordenação de Cristina Araújo Dias, Almedina, 2018, pp. 298-229:
«O art. 2199º estabelece a anulabilidade do testamento celebrado com incapacidade acidental, por quem não estava incapacitado de entender e querer o sentido da declaração efetuada ou que, por qualquer causa, ainda que transitória, não tinha o livre exercício da sua vontade para poder dispor dos seus bens para depois da morte, quando a declaração negocial é prestada.
Tal como para efeitos do art. 257º, estarão em causa episódios que afetam a compreensão e a vontade do testador, como situações de embriaguez, situações de consumo de estupefacientes, surtos psicóticos provocados por anomalias psíquicas, estados de delírio, ou demência permanentes que não tenham gerado ainda uma decisão de interdição do testador.
Assim sendo, esta norma pode abranger situações acidentais, esporádicas e transitórias, como surtos psicóticos momentâneos, que diminuam momentaneamente o discernimento e o livre exercício da vontade de dispor. Pode abarcar ainda situações permanentes, como por exemplo, uma “doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente” (Ac. de 11/4/2013 (1565/10.4TJVNF.Pl.S1), podendo justificar uma ação de interdição que não existe.
Ainda assim, é necessário que essa incapacidade se verifique no momento da feitura do testamento.
Ou seja, este está incapacitado de entender a sua declaração ou não tem o livre exercício da sua vontade e isso coloca-o numa situação de inferioridade que necessita de proteção do legislador. Há, pois, uma proteção unilateral da vontade real e livre do testador, até porque não existem interesses do tráfico jurídico geral a proteger. Por esta razão, Pereira Coelho apelida o testamento como um negócio estranho ao comércio jurídico, pois “(…) não surge aquela oposição entre os interesses do declarante, por um lado, e, por outro lado, os interesses do declaratário e os interesses gerais da contratação” (COELHO, Pereira, ob. cit., p. 334).»
Tal como se decidiu no Ac. do STJ de 19.01.2016, Proc. n.º 893/05.5TBPCV.C1.L1 (Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt, «a incapacidade acidental, a que se refere o art. 2199º do Código Civil, afetando ou obnubilando a vontade do testador, constitui vício volitivo que determina a anulabilidade do ato; o normativo quer proteger o testador, o seu ato de vontade unilateral, ao passo que o art. 257º do Código Civil, que também versa sobre a incapacidade acidental, mas em atos contratuais e tem o seu campo de aplicação nos negócios jurídicos bilaterais visa proteger, sobretudo, o declaratário desde logo exigindo como requisito de anulabilidade da declaração que o facto determinante da incapacitação acidental de entender o sentido da declaração de vontade seja notório, ou conhecido do declaratário.
Compete ao peticionante da anulabilidade do ato jurídico de disposição post mortem, a prova dos factos conducentes à verificação do estado de incapacidade que obnubilaria a sã capacidade de dispor dos seus bens e o discernimento quanto às consequências decorrentes do ato ditado.
Ao peticionante da anulabilidade do ato jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente”.
A incapacidade para entender e querer, no momento da feitura do testamento, não tem necessariamente de estar afirmada por uma sentença que declare a interdição do testador, o que pressupõe um estado continuado, permanente, de incapacidade volitiva, essa incapacidade pode ser meramente ocasional, transitória, desde que seja contemporânea da declaração volitiva plasmada no testamento.»
No Ac. do STJ de 24.05.2011, Proc. n.º 4936/04.1TCLRS.L1.S1 (Manuel Pereira), in www.dgsi.pt, decidiu-se que «saber se o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados. O ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil. Para efeitos do disposto no artigo 2199.º do Código Civil, o essencial é determinar se, no momento da feitura do testamento, o testador se encontrava ou não privado de uma vontade sã.»
Caso esteja perante uma situação do género, contacte o seu advogado no sentido do mesmo o esclarecer cabalmente de todos os seus direitos.